Num mundo
wiki, uma escola idem - Parte I
Por Jaime
Balbino
Data de
Publicação: 15 de Janeiro de 2007
Daqueles
que já visitaram a Wikipedia
ou dela ouviram falar, muito poucos tem claro como é a sua estrutura de
trabalho e o quanto ela é revolucionária. Reduzi-la ou somente compará-la a
tantas outras enciclopédias existentes retira o que há de mais caro no seu
modelo. Perde-se a perspectiva de compreender, reproduzir e reaplicar esta
inovação. Neste ensaio pretendo ajudar a esclarecer um pouco mais desta importante
ferramenta contemporânea, um fenômeno social raro que não deve ser ignorado por
aqueles que pensam seriamente a educação.
Uma contribuição à liberdade
Dentre as ferramentas desenvolvidas pelas
comunidades de software livre para viabilizar seu modelo colaborativo de
desenvolvimento de códigos-fonte, encontra-se o wiki, um modelo de organização e gestão
colaborativa de documentos criado por Ward Cunningham em
1994 e que é muito utilizado pela comunidade de software livre para a
documentação de programas e criação de apostilas.
De uma idéia para auxiliar a criação de apostilas e
manuais em grupo o modelo acabou sendo adotado por Jimmy Wales e Larry Sanger
- que já tinham posto em prática a Nupedia um ousado
projeto de enciclopédia on-line colaborativa. O sistema original utilizava
editores especialistas em suas áreas para validar o conteúdo. Ao contrário
deste sistema, o modelo wiki funcionava bem, mesmo não possuindo organização
prévia ou controle contínuo dos membros.
Curiosamente,
o wiki organiza e mantem a qualidade do conteúdo mesmo sendo composto por
materiais dispersos, produzidos levianamente por pessoas com interesses comuns,
mas sem qualquer organização prévia ou controle contínuo dos membros. O
interesse inerente em qualquer grupo de preservar o conhecimento que os une e
lhes dá identidade parece ser o suficiente para garantir a produção, manutenção
e atualização do material.
(Uma
coisa interessante aqui é que Jimmy e Larry, num ato espirituoso e nobre
condizente com a cultura do software
livre, não só incorporaram as idéias e o modelo wiki ao seu projeto, como
também o renomearam, homenageando assim de maneira definitiva aqueles que
vieram antes deles.)
A
Wikipedia é uma experiência colaborativa radical. É difícil encontrar
iniciativas semelhantes mesmo entre outros projetos de software livre: uma
enciclopédia mundial em que qualquer pessoa pode não só ler seu conteúdo como
modificá-lo, acrescentando, retirando, ligando outros documentos, reformatando,
corrigindo e traduzindo seus verbetes. A fiscalização do trabalho é feita pelos
próprios usuários, que podem atualizá-la com as últimas informações ou apagar
informações erradas ou mentirosas que tenham sido incluídas por desinformados
ou vândalos.
Um avançado controle de revisão (no estilo do CVS
para desenvolvimento colaborativo de códigos) permite que todas as versões
antigas dos textos possam ser lidas ou recuperadas. Discussões podem ser
travadas no espaço apropriado de cada verbete, a estrutura simples de edição e
formatação torna a criação fácil e prazerosa, mesmo para os não iniciados.
Apesar disso tudo, o conceito é poderoso e difícil de ser assimilado por
aqueles que ainda tem encucada a idéia de um "conhecimento central",
definido e administrado por mestres de notório saber, designados de
alguma maneira ritual e pela tradição para este nobre trabalho.
Ser autor
de um texto livre, dinâmico e mutável contrasta com o modelo linear e
"seguro" dos livros, programas de televisão e mesmo do hipertexto padrão
daquelas webpages seguras, quase estáticas e sob responsabilidade de um editor
ou jornalista. No entanto, a experiência da Wikipedia nos mostra que a
confiabilidade do seu conteúdo é superior ao das melhores enciclopédias do
mundo. A relação entre o número de verbetes que possui e os que de fato foram
atingidos por vândalos é insignificante, além de plenamente reversível. Os
danos causados por tais ataques não são nem um pouco relevantes e não há
indicativos de que eles o sejam no futuro, simplesmente porque é impossível um
movimento de negativação que consiga modificar um número significativo de verbetes, muito
menos de forma permanente (um apresentador da televisão americana também tentou
instigar sua grande audiência a fazer isto, sem sucesso).
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